Antonio Candido, Revista da ADUSP, junho de 1999
"Considero a Faculdade inicialmente chamada de Filosofia, Ciências e Letras e depois dividida em vários institutos um acontecimento extraordinário. Ela não apenas mudou a vida cultural de São Paulo, mas contribuiu para modificar a de todo o país".
A Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, a FFLCH, é uma unidade pertencente à USP e tem por objetivo desenvolver atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão. É também conhecida simplesmente por Faculdade de Filosofia. Nasceu com a Universidade de São Paulo e, até certo momento de sua história, com ela se confunde. Por meio dessa Faculdade, a USP adquiriu uma dimensão peculiar que a distinguiu das demais universidades brasileiras.
Originalmente Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), a FFLCH foi fundada em 25/01/1934. Organismo de articulação e reflexão, a Faculdade assumiu estrategicamente o significado de lugar onde o conhecimento pode ser elaborado dentro de uma perspectiva de unificação dos interesses sociais. Após vinte e cinco anos de existência, observa-se em sua história uma primeira transformação, pois com a "Reforma Universitária" de 1960/70, os antigos cursos de Física, Química, Matemática e Estatística, Biociências, Geociências, Psicologia e Pedagogia separaram-se da FFCL para se constituírem em Institutos e/ou Faculdades autônomas.
Deve-se ressaltar que a Faculdade de Filosofia foi responsável pelo estabelecimento de organicidade na diferenciação dos vários campos do saber que a compunham: ciências, pedagogia, filosofia, letras. Como uma universidade em miniatura, ela povoou o meio ambiente com nomes notórios em todas as áreas, provocando um surto cultural sem paralelos na história intelectual do país.
Enquanto Instituição, esta Unidade viveu diferentes momentos em sua história. Batalhou pela conquista de um espaço físico, pois, durante vários anos, funcionou sem uma sede fixa. Sem instalações próprias, diferentemente do que ocorreu com as demais unidades da Universidade, a FFCL iniciou o seu funcionamento em prédios cedidos por outras unidades, transferindo-se de local para local e mudando seguidamente de endereço até fixar-se na Rua Maria Antônia. Os diferentes momentos de sua história foram sempre marcados por um espírito de crítica e de contestação que se incorporou ao seu perfil.
Fundação
Na época da fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, em 1934, havia um projeto de um segmento da elite paulista que buscava a modernidade política conforme os moldes do pensamento liberal e concebia a educação como uma ferramenta de organização social. Voltada para a formação de elites intelectuais, a faculdade cumpriria um papel "civilizatório", já que a atuação dessas elites levaria ao progresso cultural de toda a sociedade.
Nessa chave, os fundadores equacionaram a tensão constitutiva das relações entre Estado e Universidade, pois se o Estado financiava a Universidade visando à realização de seus próprios fins, a Universidade não poderia estar subjugada ao Estado sob pena de não conseguir desempenhar seus papéis específicos. No projeto fundador, o objetivo se afirmava respeitando os interesses gerais da sociedade, sempre designados como "os mais altos interesses".
A proeza de fazer com que convergissem os interesses do Estado, os interesses gerais do indivíduo e a autonomia universitária caberia, justamente, à Faculdade de Filosofia, enquanto lugar da dimensão universal do conhecimento e, portanto, núcleo irradiador do sentido da atividade universitária.
Para atingir objetivos que até hoje estão presentes no coração da Faculdade, contribuíram grupos de diferentes origens culturais e sociais. De um lado, os professores das "missões europeias", que colocavam a universidade na corrente das tendências globais; além disso, filhos das elites paulistanas que compartilhavam o espírito de seus fundadores e, por fim, jovens trabalhadores, na sua maioria professores do ensino público sem diplomas, que unificavam a "missão" do ensino universitário ao ensino público brasileiro.
A Faculdade de Filosofia é cosmopolita desde sua origem e sempre contribuiu para a inserção da USP entre as universidades mundialmente reconhecidas. Tal padrão de excelência era pretendido em 1934, quando foram contratados professores de origem europeia.
Não se pode ignorar a inestimável contribuição desses renomados professores para a própria consolidação da Universidade. Muito se deve a eles, que, vindos de mundos tão distantes, superaram as inevitáveis dificuldades de adaptação à América Latina, a começar pela própria língua. Assim, enquanto aprendiam e se exercitavam no português, muitos docentes ministravam cursos na língua nativa. Os alunos, sob influência de suas ideias, aprenderam muito da cultura e pensamentos europeus.
Primeiras Instalações
A FFLCH teve sua primeira sede instalada nas dependências da Faculdade de Medicina e da Escola Politécnica onde oitenta e três alunos se distribuíam nos cursos de Química, Ciências (Biologia, Botânica, Mineralogia, Paleontologia e Zoologia), Geografia e História, Ciências Sociais, Letras, Matemática e Física. De 1937 a 1947 a Faculdade ocupou endereços importantes da cidade de São Paulo. A Rua da Consolação, a Praça da República, a Avenida Tiradentes e a Avenida Brigadeiro Luís Antônio foram locais que abrigaram algumas das suas seções.