Ao Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, instituído em 1971, sempre couberam a responsabilidade e a singularidade de ser o único programa de pós-graduação stricto sensu dedicado ao estudo da Literatura Portuguesa em todo o território nacional.
Nas décadas iniciais de sua trajetória, um dos principais objetivos do programa consistiu em consolidar os estudos literários portugueses no Brasil, o que se realizou de forma exemplar, não apenas no contexto acadêmico, mas também na formação dos estudantes do ensino fundamental e médio. Para tanto, o programa contou com a colaboração de figuras de destaque, como o professor e crítico literário português Fidelino de Figueiredo, que, exilado por motivos políticos, residiu no Brasil entre 1938 e 1951, período durante o qual lecionou em nossa universidade, além de atuar na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Foi sob a orientação do professor Fidelino de Figueiredo que se formaram nomes fundamentais na história do nosso programa, como os dos professores Antônio Soares Amora, Segismundo Spina e Massaud Moisés. Antônio Soares Amora foi professor titular de Literatura Portuguesa em nossa instituição, além de fundador e primeiro diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UNESP de Assis. O medievalista Segismundo Spina, por sua vez, foi professor emérito de nossa faculdade, e se dedicou, principalmente, à literatura medieval portuguesa, à análise da obra de Luís de Camões e à literatura barroca, tornando-se um dos precursores dos estudos portugueses no Estado de São Paulo e em todo o Brasil. O professor Massaud Moisés, que sucedeu Antônio Soares Amora na cátedra de Literatura Portuguesa da USP, destacou-se por sua vasta produção didática, com especial ênfase em sua obra A Literatura Portuguesa (1960), que, com suas 37 edições, se difundiu amplamente por todo o país. Além disso, a coleção Presença da Literatura Portuguesa (1967), elaborada em colaboração com os professores Amora e Spina, representou uma contribuição significativa para a divulgação da literatura portuguesa em todo o país.
Essa bibliografia, essencialmente configurada por essas obras fundadoras, desempenhou um papel crucial na formação de diversas gerações de estudantes pelo Brasil afora, consolidando de maneira inequívoca os estudos da literatura portuguesa em âmbito nacional.
Aos poucos, o programa foi se diversificando e professores como Maria Aparecida Santilli e Benjamin Abdala Junior passaram a se dedicar às literaturas africanas de língua portuguesa, que começavam a se afirmar no cenário literário sobretudo de Portugal. Essa vertente de pesquisa acabou gerando um novo campo de conhecimento, o das Literaturas de Língua Portuguesa, no plural, dando origem a um novo programa em nossa faculdade intitulado Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa. O método da literatura comparada, nesse contexto, foi uma estratégia empregada pelos idealizadores do programa para introduzir as então recentes literaturas africanas de língua portuguesa no eixo literário luso-brasileiro, fortemente hegemônico. Passados 50 anos da libertação do colonialismo português e 30 anos de criação do programa de Estudos Comparados, tais literaturas ganharam prestígio e uma ampla fortuna crítica, alçadas, especialmente as literaturas angolana, moçambicana e caboverdiana, à condição de tradições literárias consolidadas.
No decorrer de todos esses anos, o Programa de Pós-Graduação de Literatura Portuguesa continuou a cumprir seu papel formador, mas passou a ser pensando em relação a esse novo contexto das literaturas de língua portuguesa, no qual o eixo literário luso-brasileiro tem perdido gradativamente sua centralidade.
Também a demanda por professores de literatura portuguesa nas universidades brasileiras, o destino mais comumente almejado por nossos egressos, foi perdendo lugar para professores que dominassem um repertório mais amplo de literaturas de língua portuguesa.
Em razão desse novo contexto, julgamos adequado estabelecer um diálogo mais atento acerca da possibilidade de reunir os programas de Literatura Portuguesa e de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, uma vez que as motivações que separaram essas duas vertentes de estudos ficaram no passado.
Uma dimensão pragmática também mobilizou a proposta de fusão, a saber: ambos os programas estão há anos com a mesma nota na CAPES – Literatura Portuguesa com 4 e Estudos Comparados com 5. Em parte, isso certamente de deve ao tamanho de ambos os programas, que têm contingentes reduzidos de professores permanentes. A união dos dois programas – sob o nome provisório de Literaturas e Culturas de Língua Portuguesa –, que guardam afinidades históricas no que concerne aos seus objetos de estudo, nos pareceu bastante plausível. Surgiu, portanto, a proposta de fundarmos um programa maior em número de professores e discentes, mais diversificado em abordagens teóricas e metodologias, mais inovador no que concerne ao modo de conceber a própria ideia de literaturas de língua portuguesa, tomadas em meio ao plurilinguismo que caracteriza todas os países de língua oficial portuguesa e a mundialização da sociedade contemporânea.
Importa salientar que, do lado do PPG de Literatura Portuguesa, já há mais de uma década temos diversificado o diálogo com diversas áreas de conhecimento, mas que se encontram intrinsecamente conectadas. Atuamos desde perspectivas mais tradicionais como a poesia medieval portuguesa, os estudos vieirianos, o teatro português, os estudos queirosianos, a literatura oitocentista, os estudos pessoanos, assim como aquelas que se voltam para as literaturas das ex-colônias portuguesa no Oriente, especialmente em Goa e Macau, para estudos comparatistas com as outras literaturas de língua portuguesa ou hispano-americanas, para a poesia e ficção contemporâneas de língua portuguesa, para a presença da poesia e da prosa portuguesas em outras literaturas, para a literatura homoerótica, a literatura escrita por mulheres, a literatura anticolonial, para as relações transdisciplinares com a história, a antropologia, a psicanálise, a ética, o cinema, a fotografia, as artes plásticas, a artes cênicas e a arquitetura, a música, dentre outras abordagens. Todas elas têm sido sistematicamente empregadas em diferentes projetos de pesquisa que desenvolvemos atualmente, condizentes com a diversidade de formações e especializações da atual equipe.
Em vista do que foi dito, é importante frisar que, além de estudar e processar em profundidade temas, autores e as redes próprias da literatura e cultura portuguesas, o horizonte de alguns dos estudos ora produzidos no âmbito de nosso programa vem se aproximando muito daquilo que o PPG de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa também realiza.
No que concerne aos resultados de nossas atividades até o presente ano, vale aqui salientar que, ao longo de seus mais de 50 anos de existência, egressos do Programa de Pós-Graduação de Literatura Portuguesa da USP ingressaram e vem atuando, em todo o território nacional, em IES de referência consolidada ou em IES em processo de formação de centros de pesquisa e programas de pós-graduação. Os docentes que atualmente integram o Programa mantêm algum nível de cooperação e trabalho conjunto com muitos desses egressos, seja na participação em bancas, seja na participação em atividades e/ou grupos de pesquisa, seja em publicações conjuntas, seja para integrar comissões de avaliação – como exemplo podemos referir as cooperações acadêmicas, em via de mão dupla, com colegas de Programas de Pós-Graduação de Universidades sediadas no Estado de São Paulo, como UNESP, UNIFESP, UNICAMP, ou em outros Estados da Federação como UFPR, UFMA, UFMG, UFC, UFPB, UEPB, UFBA, UEBA, UFRJ, URuralRJ, UFJF, UFC, UFA, dentre diversas outras, assim como universidades estrangeiras tão distintas como Universidade de Lisboa, Universidade do Porto, University of Georgia, Ohio State University, Université Paris-Sorbonne, Aix-Marseille Université, Sapienza Università di Roma, Università degli Studi Internazionali di Roma, Zhejiang Yuexiu University of Foreign Languages, em Shaoxing (China), Goa University (Índia), dentre muitas outras.
Resta apenas concluir com a observação de que não há como não lamentar a decisão de encerrar as atividades do PPG de Literatura Portuguesa da USP, tendo em vista sua especificidade e longevidade. Muitos professores e discentes passaram por nosso programa e fizeram e fazem a história dos estudos de literatura portuguesa no Brasil e no exterior. Muitos foram os docentes que contribuíram, de dentro e de fora do programa, para que nossa história promovesse uma imensa fortuna crítica acerca da literatura portuguesa nos seus mais diversos períodos e aspectos. O fim de um programa tão longevo e tão profícuo é irremediavelmente triste.
A atual proposta de fusão com o PPG de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa, no entanto, imprimi um novo horizonte e novas energias em nosso corpo docente. Abrem-se aos nossos olhos novas perspectivas de debates, de atuação, de crítica, de criação e isso nos faz querer seguir em frente e nos reinventarmos num mundo em que a literatura também se reinventa cotidianamente, com se reinventaram Camões, Machado, Maria Firmina, Botto, Pessoa, Clarice, Pepetela, Paulina – todes estarão conosco.
Texto de autoria dos docentes coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Literatura Portuguesa - USP.